World Gastroenterology Organisation Global Guidelines
Novembro de 2010
Equipe de revisão
Greger Lindberg (Presidente)
Saeed Hamid (Paquistão)
Peter Malfertheiner (Alemanha)
Ole Thomsen (Dinamarca)
Luis Bustos Fernandez (Argentina)
James Garisch (África do Sul)
Alan Thomson (Canadá)
Khean-Lee Goh (Malásia)
Rakesh Tandon (Índia)
Suliman Fedail (Sudão)
Benjamin Wong (China)
Aamir Khan (Paquistão)
Justus Krabshuis (França)
Anton Le Mair (Países Baixos)
(Clique para expandir secção)
A constipação é um problema crônico que acomete muitos pacientes no mundo. Em alguns grupos de pacientes, como os idosos, a constipação constitui um problema sanitário importante; no entanto, na maioria dos casos a constipação crônica é um motivo para consulta que provoca moléstia mas não ameaça a vida nem debilita o indivíduo. Habitualmente, pode ser manejada em nível de atenção primária com controle custo-efetivo dos sintomas.
A terminologia relacionada à constipação é problemática. Existem duas fisiopatologias que, em princípio, diferem mas que se superpõem: os transtornos do trânsito e os transtornos da evacuação. Os primeiros podem surgir secundariamente aos segundos, e os segundos em ocasiões podem apresentar-se após os primeiros.
Este guia refere-se aos pacientes adultos e não analisa especificamente nem crianças nem grupos especiais de pacientes (por exemplo, aqueles apresentando lesão raquidiana).
Nas regiões e países que dispõem de todo o leque de testes diagnósticos e opções de tratamento médico para o manejo de todos os tipos e subtipos de constipação, é factível utilizar um enfoque de padrão ouro.
A palavra “constipação” tem vários significados e a maneira como é utilizada pode diferir não só entre os pacientes mas também entre as diferentes culturas e religiões. Em estudo populacional sueco, encontrou-se que o conceito mais comum de constipação era a necessidade de ingerir laxantes (para 57% dos que responderam). No mesmo estudo, as mulheres (41%) tiveram duas vezes de probabilidades que os homens (21%) de considerar os movimentos intestinais infreqüentes como representativos de constipação, enquanto igual proporção de homens e mulheres entendiam por constipação às fezes endurecidas (43%), o esforço ao evacuar (24%), e a dor ao evacuar (23%). Dependendo de diversos fatores -a definição diagnóstica, fatores demográficos, e a amostragem dos grupos- as pesquisas sobre constipação mostram uma prevalência que vai de 1% até mais de 20% nas populações ocidentais. Em estudos de populações idosas, até 20% dos indivíduos que habitam uma comunidade e 50% das pessoas idosas institucionalizadas relataram sintomas.
Habitualmente, define-se a constipação funcional como um transtorno caracterizado por uma dificuldade persistente para evacuar ou uma sensação de evacuação incompleta e/ou movimentos intestinais infreqüentes (a cada 3–4 dias ou com menor freqüência), em ausência de sintomas de alarme ou causas secundárias. As diferenças na definição médica e as variações entre os sintomas relatados dificultam a obtenção de dados epidemiológicos confiáveis.
A constipação funcional pode ter diferentes causas, que vão desde mudanças na dieta, atividade física ou estilo de vida, até disfunções motoras primárias produzidas por miopatia ou neuropatia colônica. A constipação também pode ser secundária a um transtorno de evacuação. O transtorno de evacuação pode estar associado a uma contração paradoxal ou espasmo involuntário do esfíncter anal, que pode resultar de um transtorno adquirido do comportamento defecatório que ocorre em dois terços dos pacientes.
Tabela 1 Fisiopatologia da constipação funcional
Embora o exercício físico e a dieta rica em fibras tenham um efeito protetor, os seguintes fatores aumentam o risco de constipação (a associação pode não ser causal):
Tabela 2 Possíveis causas e condições associadas à constipação
Tabela 3 Medicamentos associados à constipação
A constipação é uma afecção comum e, apesar dos indivíduos que consultam constituírem uma minoria, nos Estados Unidos esta afecção é responsável por vários milhões de consultas médicas por ano. No Reino Unido, em 2006, os médicos gerais emitiram mais de 13 milhões de receitas para laxantes. A ajuda de um especialista gastroenterologista deveria concentrar-se em aplicar os recursos sanitários de maneira eficiente, identificando aqueles pacientes que têm probabilidades de se beneficiar de avaliações diagnósticas e tratamentos especializados.
Um painel de especialistas internacionais elaborou critérios uniformes no diagnóstico de constipação—os critérios de Roma III.
Tabela 4 Critérios de Roma III para constipação funcional
O histórico médico e o exame físico nos pacientes com constipação devem focar-se na identificação das possíveis condições causais e sintomas de alarme.
Figura. 1 A Escala Bristol da Forma das Fezes é uma medida desenhada para ajudar os pacientes a descrever a consistência do bolo fecal (reproduzido com licença de Lewis SJ e Heaton KW, et al, Scandinavian Journal of Gastroenterology 1997;32:920–4). ©1997 Informa Healthcare
Tabela 5 Sintomas de alarme na constipação
Está indicado realizar estudos de laboratório, imagenologia ou endoscopia e testes funcionais somente nos pacientes apresentando constipação crônica severa ou sintomas de alarme.
Tabela 6 Testes fisiológicos para constipação crônica (reproduzido com licença de Rao SS, Gastrointest Endosc Clin N Am 2009; 19:117–39)
O estudo de retenção de marcadores de 5 dias é um método simples para medir o trânsito colônico que requer a ingestão de marcadores de uma só vez. A realização de uma radiografia simples de abdômen 120 horas após, é suficiente para avaliar o tempo de trânsito colônico através da quantificação dos marcadores presentes. Se persistirem mais de 20% dos marcadores no cólon, significa que o trânsito está retardado. O acúmulo distal dos marcadores pode indicar um transtorno da evacuação e, nos casos típicos de constipação por trânsito lento, quase todos os marcadores se mantêm e se observam tanto no cólon direito como no esquerdo.
Várias companhias produzem marcadores, mas estes também podem ser obtidos a partir do corte de um tubo radiopaco, em pequenos pedaços de 2–3 mm de longitude, não apresentando riscos para o paciente. Um número adequado de marcadores (20–24) podem ser incluídos em uma cápsula de gelatina para facilitar sua ingestão.
A classificação da constipação dos pacientes deveria ser possível com base no histórico médico e um correto exame e valoração de laboratório.
Tabela 7 Categorias de constipação com base na avaliação clínica
Nível 1—Recursos limitados
Nível 2—Recursos intermédios
Nível 3—Recursos amplos
Tabela 8 Manejo geral da constipação
SII: síndrome de intestino irritável; PEG, polietilenoglicol; CTL, constipação por trânsito lento.
Uma vez estudada e excluída uma constipação orgânica e secundária, a maioria dos casos podem ser manejados adequadamente com uma abordagem sintomática.
Se o tratamento falhar uma e outra vez na constipação por trânsito lento, um grupo selecionado de pacientes bem avaliados e informados pode se beneficiar de uma colectomia total com anastomose ileorretal. A indicação excepcional de colectomia deve ser estabelecida em um centro terciário especializado e com experiência. Pode haver resultados decepcionantes, nos quais o paciente pode ficar com incontinência fecal e constipação recorrente após a cirurgia, especialmente com transtornos da evacuação.
Tabela 9 Resumo: Base de evidência para o tratamento da constipação (adaptado de Rao SS, Gastrointest Endosc Clin N Am 2009;19:117–39)
* Adaptado pela atual equipe de revisão dos guias de constipação.
A seguinte cascata está destinada a pacientes com constipação crônica sem sintomas de alarme e com pouca ou nenhuma suspeita de um transtorno da evacuação. Os principais sintomas seriam fezes duras e/ou movimentos intestinais infrequentes.
Nível 1— Recursos limitados
Nível 2— Recursos intermédios
Nível 3— Recursos amplos
Esta cascata se aplica a pacientes com constipação crônica sem sintomas de alarme mas com suspeita de um transtorno da evacuação. Os principais sintomas seriam esforço defecatório prolongado, sensação de evacuação incompleta, fezes finas, sensação de bloqueio (estar entupido), ou falha do tratamento por constipação com fezes endurecidas.
Nível 1— Recursos limitados
Nível 2— Recursos intermédios
Nível 3— Recursos amplos