World Gastroenterology Organisation Global Guidelines
Janeiro de 2015
Autores da revisão
Prof. D. LaBrecque (EUA)
Prof. A.G. Khan (Paquistão)
Prof. S.K. Sarin (Índia)
Dr. A.W. Le Mair (Holanda)
Equipe da revisão original
Prof. D. LaBrecque (Presidente, EUA)
Prof. P. Dite (Co-presidente, República Tcheca)
Prof. Michael Fried (Suíça)
Prof. A. Gangl (Áustria)
Prof. A.G. Khan (Paquistão)
Prof. D. Bjorkman (EUA)
Prof. R. Eliakim (Israel)
Prof. R. Bektaeva (Kazajistão)
Prof. S.K. Sarin (Índia)
Prof. S. Fedail (Sudão)
Dr. J.H. Krabshuis (França)
Dr. A.W. Le Mair (Holanda)
(Clique para expandir secção)
As varizes esofágicas são vasos colaterais portossistêmicos — isto é, canais vasculares que unem a circulação venosa porta e sistêmica. Formam–se, preferencialmente na submucosa do esôfago inferior, como consequência da hipertensão portal (uma complicação progressiva da cirrose). A ruptura e sangramento das varizes esofágicas são complicações maiores da hipertensão portal e são acompanhados por uma alta taxa de mortalidade. O sangramento varicoso representa 10–30% de todos os casos de sangramento gastrointestinal alto.
Nas regiões e países onde estão disponíveis todas as opções diagnósticas e terapêuticas para o manejo das varizes esofágicas, resulta factível aplicar um enfoque de “padrão ouro”. No entanto, em muitos países estes recursos não estão disponíveis. Com suas Cascatas Diagnósticas e Terapêuticas, as Diretrizes da WGO oferecem um enfoque sensível aos recursos.
Embora as varizes possam ocorrer em qualquer parte do tubo digestivo, são mais comumente encontradas nos últimos centímetros distais do esófago. Aproximadamente 50% dos pacientes cirróticos apresentam varizes gastroesofágicas. As varizes gástricas estão presentes em 5–33% dos pacientes com hipertensão portal.
A frequência das varizes esofágicas varia entre 30% e 70% dos pacientes cirróticos (Tabela 1), e 9–36% dos pacientes apresentam varizes conhecidas como de “alto risco”. As varizes esofágicas aparecem em pacientes cirróticos a uma taxa anual de 5–8, mas são suficientemente grandes para representarem risco de sangramento em apenas 1–2% dos casos. Aproximadamente 4–30% dos pacientes com varizes pequenas desenvolverá varizes grandes a cada ano e estará, portanto, em risco de sangramento.
Tabela 1 Epidemiologia das varizes esofágicas e correlação com a doença hepática
A presença de varizes gastroesofágicas se correlaciona com a gravidade da doença hepática. A severidade da cirrose pode ser classificada utilizando o sistema de classificação de Child–Pugh (Tabela 2).
Tabela 2 Classificação de Child-Pugh de severidade da cirrose
RNI, razão normalizada internacional; TP, tempo de protrombina.
Um paciente cirrótico que não apresenta varizes ainda não desenvolveu hipertensão portal, ou sua pressão portal ainda não é suficientemente elevada para desenvolver varizes. Com o aumento da pressão portal, o paciente pode passar a ter pequenas varizes.
Com o tempo, e à medida que aumenta a circulação hiperdinâmica, aumenta também o fluxo sangüíneo através das varizes, elevando assim a tensão sobre a parede. A hemorragia varicosa produzida pela ruptura ocorre quando a força de expansão supera a máxima tensão parietal. Se não houver nenhuma modificação na tensão parietal, haverá um alto risco de recidiva.
Tabela 3 – Prognóstico em pacientes com varizes esofágicas
Figura 1 – História natural de varizes e hemorragia em pacientes cirróticos2
GPVH = gradiente de pressão venosa hepática; IVG = varizes gástricas isoladas localizadas no fundo gástrico; GOV2 = varizes gastroesofágicas que se estendem para o fundo o gástrico
Uma pontuação do RNI (Razão Normalizada Internacional ) > 1.5, um diâmetro da veia porta > 13 mm, e a trombocitopenia têm demonstrado ser preditivos sobre a probabilidade de presença de varizes nos pacientes cirróticos. Se nenhuma, uma, duas, ou três dessas condições forem cumpridas, < 10%, 20–50%, 40–60%, e > 90% dos pacientes, respectivamente, vão apresentar varizes. A presença de uma ou mais dessas condições representa uma indicação de endoscopia para pesquisa de varizes e profilaxia primária de sangramento nos pacientes cirróticos (Tabela 4).
Tabela 4 – Fatores de risco para varizes esofágicas e hemorragia
A esofagogastroduodenoscopia é o padrão ouro para o diagnóstico de varizes esofágicas. Se o padrão ouro não estiver disponível, outros possíveis exames diagnósticos são o eco-Doppler da circulação sangüínea (não é a ecoendoscopia). Apesar de não ser uma boa segunda opção, certamente pode demonstrar a presença de varizes. Outras alternativas possíveis são a radiografia baritada do esôfago e estômago, e a angiografia e manometria da veia porta.
É importante avaliar a localização (esôfago ou estômago) e tamanho das varizes, bem como os sinais de sangramento iminente, que pode ser um primeiro sangramento agudo, ou recidiva, e (se aplicável) considerar a causa e a gravidade da hepatopatia.
Tabela 5 – Guia para o diagnóstico de varizes esofágicas
O diagnóstico diferencial de hemorragia varicosa inclui todas as etiologias do sangramento gastrointestinal (alto). As úlceras pépticas também são mais frequentes nos pacientes portadores cirróticos.
Tabela 6 – Diagnóstico diferencial de varizes esofágicas/hemorragia
Nota: todas estas patologias contribuem na aparição de varizes esofágicas como resultado da hipertensão portal.
A esquistossomose é a causa mais comum de varizes nos países em desenvolvimento — no Egito ou no Sudão, por exemplo. Em números absolutos, pode ser mais comum do que a cirrose hepática. Em algumas aldeias do Sudão mais de 30% da população tem varizes, apesar de sua função hepática estar bem conservada. Eles raramente se descompensam e não desenvolvem carcinoma hepatocelular (CHC). O sangramento das varizes é a principal causa de morte nestes pacientes. Se as varizes são erradicadas, os pacientes podem sobreviver mais de 25 anos.
Tabela 7 - Considerações sobre diagnóstico, prevenção e manejo das varizes esofágicas e hemorragias varicosas
Para manejo das varizes e da hemorragia esofágica estão disponíveis as seguintes opções de tratamento a (Tabelas 8 e 9). Apesar de ser eficazes para deter o sangramento, nenhuma destas medidas, exceto a terapia endoscópica, têm demonstrado afetar a mortalidade.
Tabela 8 – Terapia farmacológica
Tabela 9 – Terapia endoscópica
Nas seguintes figuras são apresentados o enfoque para os pacientes cirróticos e diferentes etapas das varizes ou hemorragia.
Figura 2 - Pacientes cirróticos sem varizes. EGD, esofagogastroduodenoscopia
Figura 3 - Pacientes cirróticos com varizes pequenas, mas sem hemorragia.
* Para muitos pacientes que não respondem ao tratamento com β-bloqueadores ou à profilaxia do sangramento, recomenda-se repetir a EGD depois de 2 anos (também para aqueles que não recebem β-bloqueadores)
Figura 4 - Pacientes cirróticos e varizes médias ou grandes, mas sem hemorragia. LEVE, ligadura endoscópica de varizes.
Figura 5 – Pacientes cirróticos e hemorragia varicosa aguda.
EGD, esofagogastroduodenoscopia; LEVE, ligadura endoscópica de varizes; IV, intravenoso; TIPS, anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular; HV, hemorragia varicosa.
A terlipressina está atualmente disponível em gran parte da Europa, Índia, Austrália, e Emirados Árabes Unidos, mas não nos Estados Unidos da América ou Canadá.
Figura 6 – Pacientes cirróticos que se recuperaram de uma hemorragia varicosa aguda.
Recomendações para o manejo de primeira linha de pacientes cirróticos em cada etapa da história natural das varizes (Fig. 7)
Figura 7 – Recomendações para o manejo de primeira linha.
LEVE, ligadura endoscópica de varizes; MN5IS, mononitrato 5 de isossorbida.
Uma cascata é um conjunto hierárquico de técnicas diagnósticas ou terapêuticas para a mesma patologia, qualificadas segundo os recursos disponíveis.
Como foi sublinhado anteriormente, existem várias opções terapêuticas eficazes na maioria das situações clínicas envolvendo hemorragia varicosa aguda, bem como na profilaxia secundária e primária contra a hemorragia. A terapia ótima em uma situação individual varia muito dependendo da facilidade relativa da disponibilidade local destes métodos e técnicas. É provável que varie amplamente em diferentes partes do mundo. Se a endoscopia não estiver facilmente disponível, deve-se recorrer à farmacoterapia em caso de suspeita de sangramento varicoso — por exemplo em pacientes com hematêmese e sinais de cirrose. Da mesma forma, pode-se administrar terapia farmacológica em circunstâncias tais como profilaxia primária em um paciente cirrótico com sinais de hipertensão portal (esplenomegalia, trombocitopenia) e/ou com alteração da função hepática, e como profilaxia secundária em u m paciente cirrótico com antecedentes de sangramento gastrointestinal alto.
Se a farmacoterapia não estiver disponível e se houver suspeita de sangramento varicoso, deve-se recorrer a medidas gerais de reanimação geral e trasladar o paciente o quanto antes possível para uma instituição onde os médios diagnósticos e terapêuticos necessários estejam disponíveis; o tamponamento com balão poderia ser extremamente útil nesse tipo de situações.
Figura 8 – Cascata para tratamento da hemorragia aguda de varizes esofágicas.
IV, intravenoso.
Nota: A combinação ligadura elástica e escleroterapia não é usada rotineiramente, exceto quando o sangramento for profuso e não permita identificar o vaso para colocar as bandas. Nesses casos, pode-se realizar a escleroterapia para controlar o sangramento e limpar suficientemente a área para fazer a ligadura depois.
Alerta: Existem muitas afecções que podem produzir varizes esofágicas. Também existem muitas opções de tratamento, dependendo dos recursos disponíveis. Para uma abordagem terapêutica sensível aos recursos na África, por exemplo, pode-se consultar a Fedail (2002).
Tabela 10 – Tratamento das varizes esofágicas provocadas por esquistossomose
Nota: a terapia com drogas vasoativas não é realista na maioria dos países em desenvolvimento. No Sudão, por exemplo, 1 mg de terlipressina (Glypressin) custa o equivalente a 25% do salário de um médico de familia e aproximadamente o mesmo que um salario anual de um funcionário do governo.