World Gastroenterology Organisation Global Guidelines
Novembro de 2009
Equipe de revisão:
Peter Ferenci (Presidente) (Áustria)
Michael Fried (Suíça)
Douglas Labrecque (EUA)
J. Bruix (Espanha)
M. Sherman (Canadá)
M. Omata (Japão)
J. Heathcote (Canadá)
T. Piratsivuth (Tailândia)
Mike Kew (Sudáfrica)
Jesse A. Otegbayo (Nigéria)
S.S. Zheng (China)
S. Sarin (Índia)
S. Hamid (Paquistão)
Salma Barakat Modawi (Sudão)
Wolfgang Fleig (Alemanha)
Suliman Fedail (Sudão)
Alan Thomson (Canadá)
Aamir Khan (Paquistão)
Peter Malfertheiner (Alemanha)
George Lau (Hong Kong)
F.J. Carillo (Brasil)
Justus Krabshuis (França)
Anton Le Mair (Países Baixos)
(Clique para expandir secção)
A cada ano falecem mais de 600.000 pessoas por causa do carcinoma hepatocelular (CHC). É preciso intensificar a investigação sobre a doença a nível mundial, tanto no âmbito médico quanto no farmacêutico, particularmente se concentrando em oferecer ajuda às áreas onde os recursos são limitados.
Os enfoques de tratamento dependem do estágio da doença no momento do diagnóstico e do acesso a regimes de tratamento complexos. No entanto, a doença em estágio avançado não é curável. Seu manejo é caro e sua eficácia para aumentar os anos de vida ajustados pela qualidade é meramente marginal.
A prestação de serviços de atendimento do CHC pode ser melhorada desenvolvendo centros de excelência. A concentração de atendimento médico nesses centros permite uma melhor capacitação dos profissionais especializados no assunto, para que as ressecções sejam realizadas por cirurgiões familiarizados com a patologia hepática, os limites da ressecção e outros procedimentos pertinentes.
Os novos agentes mais promissórios estão fora do alcance dos que mais se beneficiariam: nos países com recursos limitados, o sorafenib está fora de questão para uso geral. A seguir, alguns exemplos pontuais de custos mensais de um tratamento com sorafenib, a preço de farmácia: US$ 7.300 na China, US$ 5.400 nos EUA, US$ 5.000 no Brasil, € 3.562 na França, e US$ 1.400 na Coreia (fonte: N Engl J Med 2008; 359: 378–90; PMID 18650519).
Portanto, desde uma perspectiva geral, a tarefa mais urgente é evitar a aparição do CHC. A única estratégia eficaz é a prevenção primária da hepatite viral, e na maioria dos países isto já está sendo atendido mediante a vacinação dos recém-nascidos contra hepatite B. Outras estratégias importantes são a prevenção ao abuso de álcool, à disseminação do vírus de hepatite C (VHC) e da síndrome metabólica. Outra tarefa importante é evitar a formação de aflatoxinas, aplicando um correto manejo das colheitas e do armazenamento de alimentos. A segunda abordagem consiste em aumentar a consciência da comunidade médica para que promova a vigilância dos pacientes em risco, o que permitiria diagnósticos mais precoces e, por conseguinte, a possibilidade de fazer ressecções ou ablações de lesões pequenas.
O CHC é a sexta neoplasia mais frequente em nível mundial. É uma doença maligna que ocupa o quinto lugar entre os homens e o oitavo entre as mulheres. É a terceira causa de morte por câncer, após o câncer de pulmão e de estômago.
O CHC é a doença maligna mais comum em várias regiões da África e Ásia. Pelo menos 300.000 das 600.000 mortes que ocorrem a nível mundial sucedem na China, e a maioria das 300.000 mortes restantes têm lugar em países com grandes carências de recursos na África subsaariana. É muito provável que estas cifras devastadoras sejam devidas a:
Outros fatores importantes incluem a má adesão ao tratamento, a não participação (ou participação inadequada) em programas de vigilância, o que leva à consulta tardia de pacientes que apresentam tumores de grande tamanho; a falta de conhecimento dos benefícios do tratamento do CHC e das formas de evitar a doença hepática subjacente, além de que alguns médicos são contrários à conveniência da triagem. No Japão, Estados Unidos, América Latina e Europa, a hepatite C é a principal causa do CHC. A incidência do CHC é 2–8% por ano em pacientes com hepatite C crônica e cirrose estabelecida. No Japão, a mortalidade devida a CHC tem mais que triplicado desde meados da década de 70. A infecção pelo VHC explica 75–80% dos casos e o vírus da hepatite B (VHB) é responsável por 10–15% dos casos. Na década de 50 e 60, o CHC associado a VHC estava relacionado às transfusões sanguíneas, uso de drogas intravenosas e reutilização de seringas e agulhas. Em muitos países (mas não em todos), a propagação do VHC vai diminuindo, mas a migração tem feito que a carga da doença não tenha variado.
Na Ásia, África, e em alguns países do leste da Europa a hepatite B crônica é a principal causa do CHC, superando amplamente o impacto da hepatite C crônica (Fig. 1). De 300 milhões de pessoas infectadas com VHB no mundo, 120 milhões são chineses. Na China e na África a hepatite B é a principal causa do CHC; cerca de 75% dos pacientes que desenvolvem CHC apresentam hepatite B.
Fig. 1 Distribuição geográfica da infecção crônica do vírus da hepatite B em nível mundial (Fonte: Centros para Controle de Doenças, 2006).
O CHC está associado à doença hepática, independentemente da causa específica da doença, podendo intervir fatores:
Os principais fatores de risco para o CHC são:
O risco de apresentar CHC em pacientes infectados pelo VHB aumenta com:
O risco de apresentar CHC em pacientes infectados pelo VHB e cirrose aumenta quando combinado com:
Achados físicos:
Sinais que também poderiam levantar a suspeita de CHC em pacientes com cirrose previamente compensada:
Os pacientes com CHC terminal podem consultar por:
Achados laboratoriais:
Seguimento a ser realizado cada 3–6 meses para avaliar o paciente depois do tratamento:
Uma consulta de avaliação com especialista pode ajudar a:
Avaliação inicial do paciente:
Também pode-se a considerar citologia do líquido de ascite apesar de sua baixa sensibilidade; na África é simples e praticável.
Testes diagnósticos (Tabela 1). Para estabelecer o diagnóstico de CHC, é suficiente encontrar os seguintes elementos combinados: aparência clássica em uma das modalidades imaginológicas – isto é, uma grande massa hepática e/ou massas hepáticas multifocais com hipervascularidade arterial, e aumento dos níveis séricos de AFP, em um paciente portador de uma doença hepática crônica (geralmente assintomática), e geralmente em um estádio cirrótico.
Tabela 1 Testes utilizados para diagnosticar carcinoma hepatocelular
AFP, alfa fetoproteína; TC, tomografia computadorizada; RMN, ressonância magnética nuclear.
Imaginologia de ultra-som, TC, ou RMN. A radiologia e/ou a biópsia são ferramentas diagnósticas definitivas. A ecografia (ultra-som) com contraste pode dar falsos positivos, informando como CHC a pacientes portadores de um colangiocarcinoma intrahepático. A AFP é uma ferramenta auxiliar diagnóstica. Os níveis persistentes de AFP acima de 400 ng/ml ou um aumento rápido do nível sérico de AFP podem ser úteis como critérios diagnósticos. Em pacientes com níveis de AFP menores, e onde não se dispõe de radiologia, o diagnóstico de CHC só pode ser feito mediante utilização de critérios clínicos. Embora as opções de tratamento do CHC sejam limitadas ou não estiverem disponíveis, é possível dispor da infra-estrutura necessária para fazer determinações de AFP e ultra-som.
Notas de precaução
Uma “cascata” é um conjunto hierárquico de opções diagnósticas, terapêuticas e de tratamento, para manejar o risco e a doença, levando em conta a disponibilidade de recursos em nível local.
Nas regiões e países que dispõem de transplante hepático para tratamento do CHC, resulta fatível aplicar o padrão ouro terapêutico. Nos outros, se pode fazer ressecção e/ou ablação local, mas não transplante hepático. Que mais se pode fazer nas diferentes situações nas quais não se dispõe de transplante ou ressecção e/ou ablação local?
O presente guia pretende responder essa pergunta aplicando cascatas que variam segundo os recursos disponíveis: para áreas com recursos mínimos e médios, o guia propõe a prevenção primária e secundária, a avaliação dos pacientes e as opções de tratamento. Para as regiões e países de altos recursos, deve-se consultar o guia publicado pela Associação Americana para o Estudo das Doenças Hepáticas (AASLD: American Association for the Study of Liver Diseases).
Particularmente, quando os tratamentos potencialmente curativos não estão disponíveis, a prevenção primária é muito importante para reduzir o risco de CHC (Tabela 2).
Tabela 2 Opções para prevenção primária do carcinoma hepatocelular
HBeAg, antígeno "e" da hepatite B ; IGHB, imunoglobulina para hepatite B.
* Decidir qual indivíduo com hepatite B ou C requer tratamento é um assunto complexo que vai além do alcance deste documento.
A estratégia de triagem deve ser incentivada nas regiões onde é possível oferecer tratamento curativo para o CHC. Não tem muito sentido realizar triagem massiva de uma população se os recursos para sua investigação e posterior tratamento não estão disponíveis. A triagem só deve ser empreendida se pelo menos uma das seguintes opções de manejo estiver disponível: transplante hepático, ressecção hepática, quimioembolização transarterial (TACE) ou técnicas de ablação. Alguns países utilizam o tratamento com ácido acético (vinagre).
Um dos pontos de partida da triagem é identificar pacientes assintomáticos com CHC. Se no momento do diagnóstico o paciente apresenta sintomas de câncer, o resultado não é bom e é improvável que o tratamento tenha boa relação custo-eficácia.
Entre as opções de tratamento apropriadas que podem estar ou não além do alcance das instalações médicas locais, incluem-se:
A quimioterapia tradicional não tem espaço no manejo do CHC. Sempre que possível, e se for necessário, deve-se oferecer tratamento sintomático aos pacientes.
Quando ressecção e/ou ablação local para o tratamento do CHC estão disponíveis, deve-se enfatizar a vigilância.
A prevenção primária - isto é – a vacinação dos menores contra hepatite B, é ótima para reduzir o risco de CHC. O diagnóstico precoce e o tratamento são essenciais para melhorar a sobrevivência, mas a prevenção do CHC recidivante segue sendo um importante desafio.
A vigilância do CHC pode melhorar a detecção precoce da doença. Em termos gerais, as opções de tratamento são mais amplas quando o CHC é detectado na tenra idade.
A triagem para detecção precoce do CHC é recomendada para grupos de pacientes de alto risco enumerados na Tabela 3.
Tabela 3 Critérios para triagem do carcinoma hepatocelular
A vigilância inclui fixar testes de triagem, intervalos de triagem, critérios diagnósticos e procedimentos de rechamada. (Tabela 4).
Tabela 4 Técnicas de vigilância
Ver “Notas de precaução” em “Diagnóstico”.
A recidiva do CHC pode resultar de uma carcinogênese multicêntrica ou de um tratamento inicial inadequado. A prevenção da recidiva do CHC exige um diagnóstico precoce e a completa exérese das lesões primárias do CHC.
Atualmente, não existe nenhuma prova da eficácia da prevenção terciária do CHC com nenhum agente, inclusive quimioterapia, terapia do VHB e do VHC, ou interferon (IFN).
O manejo do CHC está mudando. Nos países desenvolvidos, cada vez mais, os pacientes com CHC estão sendo avaliados e manejados em centros especializados por equipes multidisciplinares formadas por hepatologistas, oncologistas, radiologistas, cirurgiões e patologistas.
O sistema de estadiamento da Clínica de Câncer Hepático de Barcelona (BCLC) leva em conta variáveis vinculadas ao estádio de evolução do tumor, à função hepática, ao estado físico e aos sintomas vinculados ao câncer, e relaciona estas variáveis com as opções de tratamento e as expectativas de vida. De acordo a esse sistema de estadiamento, os pacientes podem ser classificados como:
Após confirmar o diagnóstico de CHC, a função hepática constitui um dos principais fatores no processo de seleção de tratamento; deve-se estabelecer o estado de funcionalidade e a presença de outras patologias concomitantes.
Aspectos importantes para avaliar a função hepática:
As opções de tratamento dependem em grande parte da função hepática, do tamanho do tumor e da presença ou ausência de lesões metastáticas ou de invasão vascular. Na maioria dos casos, os tratamentos curativos como a ressecção, a ablação por radiofrequência ou o transplante hepático não são fatíveis, limitando as opções ao manejo paliativo. Portanto, a triagem das populações em risco é a única maneira de detectar tumores em seu estágio inicial que podem ser tratados. A maioria das opções de tratamento são caras e/ou requerem centros especializados. Nos países em desenvolvimento, a ressecção e ablação local são as opções terapêuticas mais prováveis em pacientes com CHC identificado durante a vigilância.
Tanto a ressecção como a ablação podem ser curativas quando os tumores são pequenos.
A Tabela 5 apresenta uma descrição recente dos tratamentos, seus benefícios no CHC, e o esquema de níveis de evidência desenvolvido por um painel de peritos da AASLD.
Tabela 5 Descrição do painel de peritos da (AASLD) American Association for the Study of Liver Diseases dos tratamentos, benefícios, e níveis de evidência no carcinoma hepatocelular
Fonte: Llovet JM, Di Bisceglie AM, Bruix J, et al. Design and endpoints of clinical trials in hepatocellular carcinoma. J Natl Cancer Inst 2008;100:698–711.
* Classificação da evidência adaptada ao Instituto Nacional de Câncer: www.cancer.gov. Desenho do estudo: ensaio controlado aleatorizado, meta-análise = 1 (duplo cego 1i; não- cego 1ii). Ensaios controlados não aleatorizados = 2. Séries de casos = 3 (baseado em populações 3i; não populacionais, consecutivo 3ii; não populacionais, não consecutivos 3iii). Variáveis primárias: sobrevivência (A), mortalidade específica para causa (B), qualidade de vida (C). Substitutos indiretos de (D): sobrevivência livre de doença (Di), sobrevivência livre de progressão (Dii), resposta do tumor (Diii).
† Embora o sorafenib não esteja disponível para uso terapêutico nas regiões e países de baixos recursos, ou inclusive nos de recursos médios, seu impacto tem demonstrado ser tão bom ou melhor que muitas opções oncológicas sistêmicas usadas para o tratamento de outros cânceres.
Cuidados paliativos