World Gastroenterology Organisation Practice Guidelines
Fevereiro 2018
Equipe de revisão da WGO
Michael Farthing (UK)
Marco Albonico (Itália)
Zeno Bisoffi (Itália)
Donald A.P. Bundy (UK)
Dora Buonfrate (Itália)
Peter Chiodini (UK)
Peter Katelaris (Austrália)
Paul Kelly (Zâmbia)
Lorenzo Savioli (Suíça)
Anton Le Mair (Países Baixos)
Declaração de financiamento e conflitos de interesses
Todos os autores declaram inexistência de conflitos de interesse na autoria deste documento.
Anton Le Mair se desempenha como consultor na elaboração de diretrizes para a WGO.
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Cascatas da WGO: conjunto hierárquico de opções diagnósticas, terapêuticas e de manejo para lidar com o risco e a patologia, qualificadas segundo os recursos disponíveis.
As diretrizes e cascatas da WGO têm por objetivo destacar as opções de manejo apropriadas sensíveis ao contexto e aos recursos disponíveis em cada área geográfica, independentemente de ser considerada “em desenvolvimento”, “semidesenvolvida” ou “desenvolvida”. As cascatas da WGO são sensíveis ao contexto que não é somente definido pela disponibilidade de recursos.
As opções em cascata, tanto para diagnóstico como para tratamento da estrongiloidíase, são fundamentais e representam a parte mais importante deste documento. Foi dada especial atenção às categorias de padrão ouro, recursos médios e baixos. Além disso, sugerimos também um ou mais algoritmos para orientar o médico na análise da história clínica do paciente, sinais clínicos e sintomas, testes diagnósticos e opções de tratamento.
Independentemente do nível local de recursos, a cascata de tratamento da estrongiloidíase oferece apenas uma opção: a ivermectina de dose única. Se fracassar o tratamento e, devido à ausência de evidência de tratamentos alternativos, recomendamos repetir a dose de ivermectina após 2 dias.
A estrongiloidíase é uma infecção pelo Strongyloides stercoralis (Fig. 1), um verme muito presente em áreas tropicais e subtropicais, mas também em países com climas temperados (Tabela 3).
A estrongiloidíase é diferente de todas as outras infecções helmínticas transmitidas pelo solo porque os ovos produto da partenogênese do verme fêmea fazem eclosão no intestino e produzem larvas rabditiformes.
O ciclo de vida do parasita consta de duas fases importantes: a fase rabditiforme e a fase filarioide (Figs. 2, 3).
Apesar da estrongiloidíase ter uma via de infecção similar às outras helmintíases transmitidas pelo solo, precisa outras ferramentas de diagnóstico além da microscopia e requer tratamento diferente. Nas áreas nas quais foi aplicada a quimioterapia antihelmíntica preventiva com ivermectina para controlar a oncocercose ou a filariose linfática, houve uma redução perceptível da prevalência da estrongiloidíase [6–10]. O Comitê de Medicamentos Essenciais da OMS incluiu a ivermectina na sua lista para a estrongiloidíase, inclusive em combinação com albendazol. Aproximadamente 900 milhões de pessoas recebem agora esta combinação como parte das campanhas de doenças tropicais negligenciadas (NTD) [11].
Strongyloides stercoralis tem um ciclo de vida único e complexo. A figura 4 descreve as vias singulares de sua replicação.
O ciclo de vida de Strongyloides é mais complexo que o da maioria dos nematoides por sua alternação entre ciclos de vida livre e formas parasitárias, e porque pode provocar autoinfecção e reprodução dentro do hospedeiro. Há dois tipos de ciclo:
A fase de vida livre do ciclo de vida do nematoide está limitada a um máximo de uma geração [13]. Esta característica especial da estrongiloidíase tem implicações importantes tanto para o tratamento das pessoas infectadas como para o controle ambiental na prevenção da transmissão. Significa que é vital que a terapia de erradicação seja altamente eficaz para eliminar todas as formas viáveis do organismo do indivíduo infectado.
A estrongiloidíase é endêmica nas regiões tropicais e subtropicais (Figuras 5-8), e a prevalência provavelmente muito mais alta do que os 100 milhões de pessoas previamente citadas: foram publicadas estimativas mais altas, de até 370 milhões de pessoas [2]. A parasitose também está muito disseminada na Europa Oriental, e foram notificados focos espalhados da infecção em pessoas idosas na região mediterrânea.
Sabemos pouco sobre a prevalência da infecção, e menos sobre a carga clínica de sua morbidade. Se for realmente disseminada, o risco de hiperinfecção iatrogênica (paciente com tratamento imunossupressor) constitui um desafio. A estrongiloidíase poderia infetar até 40% da população em algumas zonas tropicais e subtropicais [14].
As infecções migratórias podem acontecer em qualquer país e representar um risco global potencial. A doença pode aparecer em qualquer consultório em qualquer lugar.
O maior fator de risco, em geral, é a desvantagem socioeconômica em um ambiente onde Strongyloides é endêmico.
A estrongiloidíase varia de forma assintomática a severa e pode causar síndrome de hiperinfecção e doença disseminada, associada a uma alta taxa de mortalidade em pacientes imunodeprimidos.
Nos trópicos há muitos pacientes com artrite reumatoide, asma brônquica e glomerulonefrite recebendo tratamento com esteroides em longo prazo. Os pacientes podem comprar os corticoides livremente nas farmácias.
A estrongiloidíase não é uma infecção oportunista importante associada ao HIV, mas é uma infecção oportunista associada ao vírus linfotrópico de células T humanas tipo I (HTLV-I) [19]. Embora os pacientes com vírus de imunodeficiência humana e síndrome de imunodeficiência adquirida (VIH/SIDA) possam ter síndrome de estrongiloidíase disseminada ou hiperinfecção, os estudos observacionais não demonstraram um risco aumentado nesta população [20].
A estrongiloidíase aguda é muitas vezes assintomática e pode permanecer oculta durante décadas. Se não for tratada, os pacientes imunocomprometidos têm frequentemente infecções crônicas assintomáticas durante toda a vida.
As infecções crônicas podem ser causa importante de morbidade não declarada. Também, há uma falta de ferramentas eficientes de diagnóstico, que são frequentemente complexas e de baixa sensibilidade, de forma que verdadeira prevalência da infecção e da morbidade não é conhecida. Considerando que a estrongiloidíase é vista como uma doença incomum, houve pouco investimento em estudos de diagnóstico ou epidemiológicos, especialmente em crianças.
A presença da estrongiloidíase clinicamente aparente pode provocar sintomas cutâneos, gastrointestinais e pulmonares.
A chave para diagnosticar a estrongiloidíase (Tabela 5) é ter um alto índice de suspeita: o diagnóstico só pode ser feito com certeza quando o verme é identificado nas fezes. Se houver uma carga de vermes baixa, e devido à liberação intermitente de larvas nas fezes, geralmente é impossível diagnosticar o verme com apenas uma amostra de fezes analisada. É preciso fazer uma análise seriada de amostras durante 3 dias. É importante determinar a leucocitose e a eosinofilia (valores elevados em 50% dos pacientes).
O estado de eosinofilia de um paciente pode ser confuso: é um sinal muito útil em infecções simples e sem complicações, e está ausente na maioria das estrongiloidíases disseminadas.
A tabela 6 apresenta uma lista de sinais e sintomas que podem ser observados com a síndrome de hiperinfecção e estrongiloidíase disseminada [20].
A evidência destaca a necessidade de estudar os pacientes com eosinofilia, inclusive sem antecedentes de residir ou ter visitado área endêmica.[22].
Com o passar dos anos, foram desenvolvidos vários procedimentos diagnósticos cujo uso depende da disponibilidade local e do conhecimento especializado: testes do cordão, aspirados duodenais, biopsia duodenal, lavado broncoalveolar (LBA), testes imunodiagnósticos e testes repetidos de fezes frescas com diferentes métodos.
A prevalência mundial da infecção pelo Strongyloides stercoralis foi subestimada muito tempo. Isso talvez seja devido à confiança na microscopia direta das fezes e na técnica de Kato-Katz, utilizadas comumente em estudos de prevalência mas que são inadequadas para a detecção de S. stercoralis [23]. Os métodos baseados em amostras fecais comumente utilizados têm sensibilidade especialmente baixa. A microscopia pode melhorar com o exame de várias amostras de fezes e técnicas de concentração [24], mas a sensibilidade permanece baixa.
Tanto nos países de rendas baixas/médias quanto nos países desenvolvidos, o número de profissionais bem formados na identificação microscópica de parasitas parece estar diminuindo.
Lodh e col. [25] apresentaram resultados de estudos mostrando que é possível detectar o ADN de S. stercoralis na urina. Quando disponíveis, e se forem suficientemente sensíveis, os testes de amostras de urina podem ser adequados, porque requer muito menos mão de obra e recursos e não envolve o risco para a saúde de examinar fezes frescas [25].
O achado microscópico de larvas nas fezes, líquido duodenal ou ocasionalmente em outros tecidos ou líquidos permite fazer diagnóstico definitivo de estrongiloidíase (Tabelas 7, 8; Figs. 10, 11). Ainda assim, devido à baixa densidade de larvas, um único exame não é sensível [26].
Vários métodos são utilizados para identificar as larvas nas fezes por microscopia:
Microscopia após concentração
- Técnica do funil de Baermann (ainda considerada como padrão ouro)
- Técnica de concentração formol-éter (TCFE)
Microscopia com culturas
- Método de Harada- Mori, cultura em filtro de papel
- Método de Koga, cultura em placa de ágar
Microscopia direta
- Uso de microscópio de disseção para identificar larvas em placas de ágar
- Esfregaço direto de fezes em coloração salina de lugol
O uso desses métodos depende da disponibilidade local de recursos e especialmente da experiência do microscopista.
Os exames de fezes para detecção de Strongyloides que usam a técnica do funil de Baermann e o método Koga de cultura em ágar são hoje os melhores métodos diagnósticos disponíveis nessa área. Eles detectam o parasita com maior sensibilidade que outros métodos.
Se comparados à técnica de Baermann e cultura em placa de ágar, os testes sorológicos têm maior sensibilidade, embora alguns autores estejam preocupados com a especificidade [20].
O método sorológico mais conveniente e mais utilizado é o ensaio imunoabsorvente ligado à enzima (ELISA) para a detecção de imunoglobulina G (IgG) no soro contra extrato bruto de larvas filarioides. O ensaio ELISA requer trabalho intensivo e certo nível de infraestrutura do laboratório para a obtenção e interpretação dos resultados, o que dificultou sua aplicabilidade, especialmente em áreas onde Strongyloides é endêmico [26]. Além disso, a sorologia tem valor limitado para o seguimento depois da cura em áreas endêmicas, pois pode ocorrer reinfecção.
Existem muitas afecções que produzem sintomas semelhantes, como certas patologias que provocam diarreia aguda ou crônica e má absorção, eosinofilia e septicemia Gram negativa grave. No diagnóstico diferencial devem ser considerados os seguintes:
A chave do diagnóstico é pensar na estrongiloidíase como um possível diagnóstico e identificar o parasita diretamente e/ou por testes sorológicos/moleculares.
O tratamento da estrongiloidíase (Tabela 9) é difícil porque, a diferença de outras infecções helmínticas, a carga do Strongyloides deve ser erradicada completamente.
Embora alguns autores afirmem que estes termos descrevem dois aspectos diferentes da infecção (hiperinfecção: altos níveis de larvas nas partes habituais do corpo; disseminação: larvas presentes em qualquer parte do corpo, não incluídas geralmente no ciclo parasitário), podem provavelmente ser usados indiferentemente. De fato, ambos se referem a uma carga parasitária muito alta e uma rápida expansão da infecção, geralmente em pacientes imunossuprimidos e, frequentemente, associados à corticoterapia. A hiperinfecção está relacionada a um alto risco de septicemia por Gram-negativos, portanto, são administrados antibióticos de amplo espectro, especialmente para prevenir a meningite bacteriana.
Em pessoas criticamente doentes com hiperinfecção ou estrongiloidíase disseminada, e que não podem tomar medicamentos orais, a ivermectina foi administrada com sucesso pela via subcutânea [36]. No caso de pacientes graves, a ivermectina é administrada diariamente durante pelo menos 14 dias, e a duração total do tratamento depende do momento de negativação do exame microscópico dos líquidos corporais que deram positivos para larvas (pode ser fezes ou urina ou outros em casos de hiperinfecção) [37].
A infecção é prevenida evitando o contato direto da pele com solo contendo larvas infectantes. Pessoas em risco, especialmente crianças, devem usar calçado quando caminharem em solo infectado. Identificar pacientes em risco e realizar testes diagnósticos apropriados antes de iniciar terapia imunossupressora.
Os contatos domiciliários não correm risco de infecção. A adequada eliminação das excretas humanas reduz substancialmente a prevalência da estrongiloidíase.
Não existe nenhum regime profilático aceito nem vacina disponível.
As precauções padrão devem ser respeitadas nos pacientes internados com estrongiloidíase. As medidas higiénicas como uso de luvas e batas ou túnicas e uma cuidadosa lavagem das mãos são importantes para aqueles suscetíveis de entrarem em contato com as fezes do paciente [20].
O estudo de Forrer e col. [46] mostrou que o tratamento na comunidade com ivermectina em dose única contra S. stercoralis mais o saneamento reduziu efetivamente o risco de infecção nas comunidades rurais no Camboja; mais de 85% dos aldeões se mantêm negativos 1 ano após o tratamento. O controle de infecções é fatível e altamente benéfico, em particular na combinação com saneamento melhorado [46].
Khieu e col. [47] encontraram que a infecção com s. stercoralis era muito menos frequente nos indivíduos com latrina na casa do que aqueles sem ela. O risco atribuível da população calculada iria se reduzir em 39% se todos os participantes usassem latrina para defecar [17,47].
Croker e She observaram que a alta prevalência de eosinofilia em pessoas com infecção latente pelo Strongyloides no condado de Los Ángeles destaca a importância de estudar as pessoas com eosinofilia nas quais causas mais comuns foram excluídas [48].
StrongNet [38], rede internacional para melhorar o diagnóstico e o acesso ao tratamento para controle da estrongiloidíase, preconiza o uso de um método diagnóstico mais eficaz e fácil de usar no lugar, bem como a disponibilidade em grande escada de ivermectina para controle da estrongiloidíase em áreas endêmicas. Graças aos esforços desta rede, a ivermectina foi incluída recentemente na Lista de medicamentos essenciais da OMS para tratamento da estrongiloidíase; o objetivo final é desenvolver uma estratégia de controle de saúde pública e incluir S. stercoralis na estratégia de quimioterapia preventiva da OMS para helmintíase transmitida pelo solo.
A estrongiloidíase aguda e crônica têm um bom prognóstico. No entanto, a infecção não tratada pode persistir por toda a vida do paciente devido ao ciclo de autoinfecção. A ausência prolongada do paciente de áreas endêmicas não é garantia de se livrar da infecção. A infecção severa disseminada é comumente um evento fatal, e muitas vezes não responde ao tratamento.
Na estrongiloidíase crônica, a imunossupressão constitui um risco de autoinfecção acelerada. Pode provocar uma síndrome similar à sepse, hiperinfecção pelo S. stercoralis e a disseminação de larvas para órgãos distantes como o sistema nervoso central, causando meningite associada ao S. stercoralis [49].
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